Uma bebida para esquecer a dor

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Numa pequena praça em Ponta Negra, Natal, converso com um grupo de alcoólatras. Homens e mulheres com a face golpeada pelo álcool. Senhores e senhoras com a “alegria e sensibilidade” que só a cachaça oferece quando a dor tenta sobressair à vida. Como um antídoto que afaga, um meio que os tira da realidade cruel e áspera. Me contam casos da vida, dos filhos, das ruas que as vezes os hospedam. Era uma forma de me mostrar que independente de seus vícios eles são humanos. Falam na esperança de sair da invisibilidade. Argumentam para provar que pensam. Expressam-se com a missão de mostrar a todos que também são gente, como eu e você.

Seus dias passam com o mesmo cheiro, gestos e costumes. Nos devaneios entre o choro e o riso, tentam encontrar um rumo com passos cambaleantes. Embriagados, na praça, carregam o fardo que não os deixa sãos. Pedem que eu não cite suas confidências, já estão expostos demais. Meus dedos coçam, mas vou cumprir minha promessa. Escolho escrever sobre o que penso, desejo e espero:

Creio que agora falam sobre o dia que deixaram de ser invisíveis. De quando alguém os escutou e riu das suas alucinações. Que contam com alegria sobre o dia que deixaram de serem bêbados e foram vistos como gente, como iguais, porque seus argumentos e suas dores foram compreendidos. Espero que estejam caminhando a passos largos e firmes para suas casas, e lá, sejam recebidos com sorrisos nos rostos e com todo afago que um lar pode oferecer.

Na hora de partir um deles me abraça e parafraseia uma canção do cantor Roberto Carlos: “volta logo meu amigo, volta para salvar meu povo”. Naquele momento me afundo na impotência. Ambos sabemos que o mundo não os vê, que dificilmente os salvariam. A utopia do parágrafo acima talvez seja o que sustente a ideia de levar esse blog adiante e acreditar que, ao revelar histórias, eu mobilize pessoas e alcance mudanças. Enquanto isso, neste trajeto, a canção cantada com a voz embargada pelo choro ainda soa em meus ouvidos.

O caminho é o amor

O caminho é o amor

Saímos cedo a caminho de dois abrigos que cuidam de meninas vítimas de exploração sexual. Estava ansioso, a expectativa de conhecer os projetos, ouvir as histórias e, acima de tudo, o simples fato de estar ali, foi suficiente para me fazer dormir pouco e ser recompensado pelo nascer do sol nordestino que apazigua a alma. A Kombi segue seu destino e quanto mais nos aproximamos dele trocamos o asfalto pela areia num caminho esburacado. Estacionamos, logo avisto a casa. Suas diversas cores parecem sinalizar o motivo pelo qual ela foi criada, “restaurar vidas e renovar a esperança”, diz o slogan. Um homem nos apresenta o projeto e suas instalações. O lugar aconchegante oferece o descanso que outrora foi roubado. Ele nos conta algumas histórias que espero transmitir com a mesma intensidade da conversa e incomodá-los assim como eu também fui.

*Sheila, 14 anos, era mantida como escrava doméstica por sua suposta mãe. As agressões eram constantes e insuportáveis. A menina carregava nos ombros o peso da escravidão. Seus dias se resumiam a faxina e aos cuidados da casa. Foi obrigada a trocar os cadernos e os livros por vassouras e rodos. Não tinha amigos porque não podia sair de casa, e ali não lhe faltavam tarefas “para brincar”.

A mãe adota gêmeos e vende um deles por R$1.800. Sheila, indignada com a venda do bebê e cansada das agressões, se aproveita de um descuido e foge. Procura uma delegacia e conta sua história. Chorando, relata as violações que sofria. Cada palavra lhe cortava alma. O coração pesado pelos traumas buscava meios de se resignar ao momento na busca por justiça.

Durante as investigações os policiais descobriram que seus documentos eram falsos, assim como os dos gêmeos, que nessa altura do campeonato já haviam sido resgatados. Mais um golpe na vida, a garota terá que conviver com a angústia de não saber suas origens. Com a dor por não saber de onde veio.

Hoje Sheila mora em um ambiente saudável, mas escondida, pois corre risco de vida. Os envolvidos na história são “peixes grandes”. Sua suposta mãe é assessora de político e responde em liberdade. A mulher que comprou o bebê é filha de político. A resolução da história segue a passos lentos numa terra que parece não ter lei. Enquanto o processo segue morosamente, Sheila vive no anonimato.

Em seu novo lar, a adolescente cria vínculos num ambiente onde outras garotas partilham da mesma dor. Juntas encontram forças para superar. Na casa, a lei suprema é o amor, elas já sabem o suficiente sobre a dor para terem que viver num ambiente hostil. Ali, se reinventam como família. Compartilham histórias e se encontram umas nas outras.

*Suzana também mora no abrigo e, com menos de 15 anos, já é cheia de histórias pra contar. Sua mãe frequenta uma comunidade religiosa do bairro onde morava. O lugar cheio de doutrinas e conceitos parece trocar a espiritualidade pela estupidez. Os conflitos entre elas se arrastam pelos dias, a menina não quer viver “segundo a lei dos crentes”. A adolescente quer usar suas roupas e maquiagens, um escânda-lo para a mãe, que tem sua paciência esgotada quando descobre que a filha teve relações sexuais. *Suzana é expulsa de casa e encontra lugar nas marquises da cidade.
Hoje no abrigo ela encontra refúgio e tenta compreender a mãe. A dor do abandono e a sensação de ter sido trocada começam a perder lugar para o amor que parece emanar de cada cômodo de seu novo lar.

Antes de partir as vejo sorrindo, ambas estão produzindo enfeites para decorar a casa. Estão felizes! Sentimento conhecido há pouco tempo, mas que encontrou morada no coração e alivia o fardo de cada dia.

História de um outro abrigo
Elas viviam em uma periferia de Recife, quatro irmãs, tinham o futuro ameaçado pela extrema pobreza. Moravam num barraco de lona. No chão um tablado. O mais perto que podiam chegar do luxo. O mau cheiro era constante, os dejetos da comunidade desciam ao terreno da família. O quintal era uma fossa. Nos dias de chuva as coisas pioravam, o terreno alagava e o tablado era coberto por fezes. Conheciam de perto a miséria.

Seus pais, para suprirem o vício, lhes apresentaram o oficio mais antigo do mundo. Elas faziam as preliminares e a mãe terminava o serviço. O salário era um pouco de comida e os pais saciados pelo crack.

Resgatadas pelo Conselho Tutelar, as meninas foram levadas para um abrigo. O lugar, conhecido como “casa do amor” pelas autoridades locais, oferece todo cuidado necessário e, até o dia da entrevista, com as quatro, passaram a cuidar de nove crianças. Seus métodos de trabalho se baseiam em uma coisa, AMAR. O casal que dedica sua vida ao cuidado de todas que estão ou passam ali, transformam a casa num ambiente familiar saudável. As crianças se sentem seguras e como consequência mudam o comportamento. Se abrem ao tratamento necessário para superarem os traumas e encontram a liberdade por terem em quem confiar.

A mais nova das quatro irmãs corre pela casa, passa por todos os cômodos mostrando as fotos que tirou com a nova câmera do abrigo que revela fotos na hora. Ela, que não engatinhou, pois sua casa não lhe dava tempo ou condições pra isso, aproveita cada canto de seu novo lar. Conversamos num dialeto que ela inventou, parece que conseguimos nos entender. Logo me mostra que também sabe contar e dispara: “1, 2, 3, 4,5… 10, 20, 22, 27”, me desafiando a ser mais rápido que ela.

Antes de eu ir embora pergunto a uma das meninas que estava com uma foto na mão: quem são essas pessoas? Ela me responde: é a família. Peço para ver e ali estão as nove com um sorriso do tamanho do mundo e com uma paz nos olhos difícil de descrever. Enfim encontraram o refúgio que a maldade e a vulnerabilidade as impedia de ter.

No caminho de volta meu choro irrompe o silêncio na Kombi. Não consigo controlá-lo. As feridas que me foram expostas me tocaram e de alguma maneira me feriram também. Durante a conversa perguntei ao responsável por um dos abrigos: Qual é o segredo para uma mudança tão rápida em corações tão machucados? Ele me olhou nos olhos e disse: “o amor”. Sorriu e continuou: “o caminho é o amor”.

*Informações e características foram omitidas e/ou modificadas por motivo de segurança

Por que ainda “queimam” as mulheres?

Rosa Hoje é um dia que traz à memória lutas constantes por direitos e valores. Uma data que cheira carne queimada mas, ao mesmo tempo, fala da garra de mulheres que, com sua resistência, fizeram ecoar um grito por justiça. Mesmo diante de um sacrifício como este, ainda vivemos dias em que a violência à mulher é constante e o machismo é a via em que este mal se perpetua. Segundo o sociólogo Pierre Bourdieu, “a dominação masculina e o modo como é imposta e vivenciada resultam nesta violência que é suave, insensível, invisível às suas próprias vítimas…”

No ano passado, viajei para alguns estados do Brasil num projeto de prevenção ao tráfico de pessoas, e pude escutar algumas histórias que vou compartilhar no decorrer desta semana. A ideia de postar essas histórias outra vez é para afirmar que o dia Oito de Março fala de direitos conquistados e, acima de tudo, dos que ainda faltam ser. Segue a primeira história:

História de um antigo Lixão

Uma mulher se aproxima de mim, seus cabelos são tingidos de preto. Os olhos castanhos escuros demonstram a ansiedade de alguém que precisa falar. Vou chamá-la de Sílvia. Suas roupas simples refletem a moda imposta sobre todos os que moram no antigo lixão de Brasília, hoje conhecido como Estrutural. Ela pede para conversar: sua irmã havia sido traficada. Conta que a levaram para a Espanha e, presa num porão, foi obrigada a se prostituir e a se drogar.

A garota que viveu em regime de escravidão, ao voltar para o Brasil, se deparou com um sistema crítico de atendimento à vítima. Após contar sua história inúmeras vezes, a jovem, revitimizada, quase enlouqueceu. Seus relacionamentos ficaram frágeis pelo medo de confiar, o que também a enclausurou dentro de sua própria casa.

Os traumas tentaram limitar seus dias. A vontade de viver é tanta que, impedida disso pelas dores que carrega na memória, ela tentou se suicidar. Lidar com as lembranças é um fardo pesado para alguém que teve sua vida transgredida de diversas formas: a memória da violência que a obrigava a dormir com 20 homens ou mais por dia; as roupas que tinha que usar; o batom caro que tinha que comprar e não valia um terço do que era obrigada a pagar; a maneira como foi separada de seus familiares e amigos; as palavras que ouvia; a coação; o cárcere; a falta de comida e as demais coisas fincadas na alma é o que estão nesse fardo.

Silvia diz que o passar dos anos tem ajudado sua irmã a lidar com os traumas.O tempo, de alguma maneira, se tornou amigo e bálsamo para as feridas, e a menina traficada tem encontrado vigor em seus dias. O fato é que quem se encarregou disso foi o tempo e não nós. O mesmo tempo que fez o cheiro de carne queimada passar e vigora a violência que vemos até hoje.

A senhora da mansão de papelão

A senhora da mansão de papelão

Na esquina da Rua Espírito Santo com a Avenida Álvares Cabral em Belo Horizonte mora Lúcia Matta Machado. Sua idade ela prefere omitir: “é o charme de toda mulher”, diz. Ela vive no bairro Funcionários, segundo metro quadrado mais rico da cidade. Sua casa se difere de todas as outras, e não é pelo tamanho ou arquitetura, ela mora na rua, em sua “mansão de papelão”. Seus cães são sua companhia: Susie, Pirata, Piratinha, Mel, Gracie, Chacal e Agregado são a garantia de felicidade e bom humor. Além desses, lembra saudosa do Pequeno Vagabundo, um dos primeiros a chegar à família. Foi roubado e morto durante a Copa das Confederações.

Lúcia vive há cinco anos na rua, e o motivo, segundo ela, foi a ganância familiar. Nascida em “berço de ouro”, sentiu na pele o descrédito que o dinheiro pode trazer. Após a morte da mãe, os conflitos familiares que se instauraram tornaram a convivência insustentável. Recorreu a um albergue, e ali conheceu as drogas: “Todo morador de rua bebe ou usa drogas. Isso traz um alívio dos olhares preconceituosos que atormentam… entristecem. A gente tá deitado aqui, as pessoas te olham e, chapada, você não vê porra nenhuma. Dói, é preconceito de todas as formas”, diz. Outro motivo é a fome: “Hoje é quarta-feira? Eu não almocei até hoje. Dormir com fome é foda. Tem que ter uma válvula de escape, alguma coisa. Se não num ‘guenta’”, conta.

Quando falamos de moradores de rua falamos de exclusão, de olhos que se recusam a ver. Mas são esses olhos que os ferem quando os observam. Então a questão deixa de ser o não enxergar e passa a ser de que forma enxergamos. Porque de fato todos veem.

Atrevo-me a dizer que escamamos nossos olhos porque diante de um morador de rua nossa fragilidade se expõe. E essa exposição revela que o mundo que criamos e lutamos para manter de pé pode desmoronar a qualquer momento. Desta forma, erguemos paredes que os lançam à margem, já que ali é mais fácil ignorar. Ignoramos, não porque são diferentes, mas por serem semelhantes demais. Exclusos, criam suas casas, mas por serem de papelões, cobertores ou apenas imaginárias, apontamos nossos dedos e olhares. Dizemos que atrapalham nossa via e recolhemos seus poucos pertences por apenas um motivo: o confronto da fragilidade da vida.

Quando Lúcia viu seu mundo se desdobrando por um caminho que não imaginava, conta que apesar de tudo não deixou seus dias se perderem. “Continuei vivendo minha vida, mudei de casa, mas não deixei de viver”, diz. Ao mesmo tempo, lembra-se de tudo o que aprendeu e tem prazer em praticar. “Eu sou uma madame disfarçada de maloqueira, não posso fugir da minha essência”, afirma a moradora de rua que viaja o mundo pelos livros da Biblioteca Municipal de BH.

Encarando o dia a dia como uma peregrinação, Lúcia vê sua estadia na rua como um processo de aprendizado: “tô aqui porque Ele (Deus) está me ensinando a ser humilde”. Eu a questiono sobre o que é humildade, ela responde: “humildade?… humildade é dividir o pão. Porque quem está rua tem fome”. Respira e continua: “também é ser humano, ser gente. E isso começa por um bom dia, independente do quanto você tem no bolso ou da roupa que você veste”. Depois canta:

Esse seu olhar, quando encontra os meus,

fala de um preconceito que eu jamais imaginei.

Minha roupa suja te assusta,

me desculpa, me desculpa.

Quando é que você vai virar gente,

sem esse preconceito de uma simples roupa suja?

Eu moro na rua, tenho motivo…

A saudade encontrou lugar em nossa conversa e Lúcia se emociona, lembra-se das tardes que passava com a família e das canções da jovem guarda que cantavam. “Dói cara, sinto falta pra caramba. Essas músicas são a cara de um domingo de tarde tomando caipirinha”, diz sorrindo. Além disso, fala dos desejos, das coisas que há tempos não faz e que eram rotina: “sinto falta do café com leite e do pão. Mas quero sentar numa mesa e comer. Tem que ser numa mesa!”.

Seus desejos são simples e, como uma reza, clama no meio da conversa: “tudo que eu peço é misericórdia pra mim, meus cachorros e família”. Fala do mundo difícil, dos homens maus e do perigo que enfrenta todos os dias. “Quem tá na rua, tá na pista. A pista é livre, eu sou uma pessoa livre, porém sem um pingo de privacidade. Corro risco 24h por 48h”.

A trajetória de um morador de rua escancara nosso medo de ser descoberto em meio à multidão. Medo que se mascara com os olhares que visam expor a fraqueza do outro, a roupa suja que incomoda e, assim, tirar o foco das nossas limitações.

No fim da nossa conversa Lúcia pede um wafer de chocolate, um amigo concede o pedido e nos despedimos. Ela entra comendo na sua mansão de papelão e eu sigo para minha casa de tijolos. Protegido em meu quarto, suas palavras ecoam e me encontro exposto. Confrontado com a realidade que conheci, anseio um olhar que ama, que sonha e fantasia. Vou dormir querendo ser gente!

Vida e morte num instante

É difícil entender alguns enlaces da vida, ela parece se amarrar de maneira que nos deixa atônitos. O tempo passa e, cada dia, é um dia a menos. Exigi-se de nós destreza para que saibamos contar nossos dias, a fim de que não sejamos tolos em nossas escolhas. Sempre levando em conta que nosso mundo vai morrendo antes nós. Aqueles que faziam parte dele já não estão, e o que éramos com eles não podemos ser mais. Resta-nos a saudade e a criatividade para reinventar os dias.

No final do ano passado perdi um amigo, o João. Contei sua história no texto “Quando um por cento é o suficiente para viver”, e tenho acompanhado, de longe, o drama de sua mãe para superar a dor da perda. Hoje se completam 30 dias que ele se foi, e todos os dias aparece na minha timeline uma foto dele e uma homenagem dela. Hora ou outra, declarações de saudade e sobre a dor causada pela ausência do filho. Me parece que nas fotos dele ela encontra a esperança de ser de novo quem era com ele, nem que seja por um instante. O tempo fixado no retrato não traz só o sorriso do João, mas o ressuscita em seus dias de luto. O vazio vai tomando forma, a ferida cicatrizando, mas a marca será lembrada pra sempre. E assim, ele se faz presente todos os dias.

Outro amigo também se foi, seu nome era Munir. Quando o conheci pessoalmente ele já tinha dois anos de idade. Cheguei à rua em que ele morava em Beford Roxo (RJ), num sábado nublado pela manhã. Fui recebido por um forte abraço de respiração ofegante por ter corrido ao meu encontro juntamente com sua irmã, foi tudo tão sincero e carinhoso. Ali ele entrou no meu mundo e eu no dele.

Munir tinha um carrinho de supermercado, desses que encontramos em lojas infantis, coloridos e de encaixe. Carregava nele o que via pela frente, o que por vezes causava brigas entre ele e a irmã. O carrinho me chamou a atenção, me parecia que ali ele buscava meios de guardar o que a vida lhe havia tirado. Guiando seu meio de transporte tudo era dele, eram amigos inseparáveis. O brinquedo deu a ele o direito que as mazelas da sua infância tentaram roubar. Com ele, o pequeno construía seu mundo, e como era seu mundo, era do jeito que ele gostaria que fosse. Ali cabiam todos os seus desejos.

O garoto morreu dormindo por causa de um refluxo. Lembro que a notícia me deixou transtornado. Era apenas um menino, crianças não deviam morrer, dizia a mim mesmo. Joan Didion diz em seu livro “O ano do pensamento mágico” que: “quando somos confrontados com uma infelicidade repentina, percebemos que as circunstâncias dentro das quais o fato impensável aconteceu não têm nada de excepcional: (…) no meio da vida, estamos na morte”. Em instantes somos tomados pela dor da ausência. O que fazer?

Aprendi com essas histórias que as lembranças são o meio para nos reinventarmos no luto. Os que se foram permanecem vivos na memória e nos fazem recordar de quem éramos com eles. Desta forma, aquilo que desmoronou começa a ser reconstruído de outra maneira, com diferentes características, com toques daqueles que se foram, mas ficaram pra sempre em nós.

Memória viva

A tradição oral na Comunidade de Arturos e o empenho para a preservação dos costumes de seus ancestrais

O Quilombo Arturos começou com um sonho de Camilo Silvério, angolano traficado para o Brasil, e se perpetuou com seu filho Arthur Camilo Silvério. As terras adquiridas por seu pai em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte (BH), Minas Gerais (MG), graças ao dinheiro ganho com os trabalhos pós-abolição, tinha um único objetivo: dar aos filhos condições de uma vida de liberdade, união e religiosidade. Camilo faleceu, e Arthur cumpriu com a promessa feita ao pai: uniu seus descendentes em torno da herança cultural de seus antepassados trazidos da África nos navios negreiros. E assim nasceu a Comunidade de Arturos, atualmente com 400 moradores.

Um povo que preserva seus costumes por meio da tradição oral encontrou nas canções, contos, provérbios e encenações uma forma de transmitir e manter vivos os ensinamentos de seus ancestrais. Contam de seus antepassados, dizem seus nomes, como se estivessem os invocando, mas na verdade a singeleza de tal façanha é a maneira que encontraram de mantê-los vivos dentro si. Um grupo de jovens encena a história de Arthur mesclada à história de Zumbi dos Palmares, dois heróis imortais. Um dos coordenadores da comunidade e neto de Arthur, José Bonifácio da Luz, de 65 anos, conhecido como Bengala, assiste e se emociona, não consegue conter as palavras e diz: “não deixem Arthur morrer”. José encontra na memória um lugar onde seus mortos possam viver.

Bengala se preocupa com o envolvimento dos jovens e o interesse deles em preservar a tradição. “Quando era mais novo, eu achava que não iria conseguir carregar uma responsabilidade tão grande. Entendo que eles passem por isso também, mas os tempos mudaram e a forma que lidam é diferente”, diz. Ele entende que os jovens estão reinventando, de acordo com o que sua geração oferece, as maneiras de contarem as histórias. “Enquanto ensaiam, procuraram os mais velhos para conhecer suas raízes, dessa forma a tradição se faz conhecida”, afirma o coordenador.

Mário Brás da Luz, 84 anos, patriarca da comunidade e filho de Arthur, herdou da irmã a espiritualidade que o levou a ser o “benzedor oficial” do quilombo. Sua casa nunca está vazia; gente do Brasil todo o procura na esperança de um milagre. A devoção a Nossa Senhora do Rosário, a santa defensora dos negros, também faz parte de um legado de Camilo a Arthur, de Arthur aos seus filhos e deles a toda comunidade. Seu Mário, como é conhecido, explica que sua função é estar disponível para quem aparecer. “Preciso ser carinhoso e não ter preguiça. Se eu estiver almoçando e aparecer um menino pra eu benzer, tenho que atender!”, afirma. Para ele sua função é um dever: “Deus abençoa minhas palavras e isso é muito importante pra mim. É um prazer ver as pessoas sendo curadas, faço isso com amor”, diz. Ele também explica que os benzedores estão acabando e, dos 25 que havia na comunidade, hoje, restam apenas três. Ele se preocupa com o desinteresse dos jovens pelo ofício e diz: “Os jovens de hoje só lembram de Deus quando trupica ou falam palavrão.Deitam igual uma tábua e levantam igual a um pau”, reclama o patriarca. Mas segue acreditando que terá um sucessor: “um dia eu também não acreditei”.

Antônio Maria da Silva, ‘seu’ Antônio, tem 79 anos, filho de Arthur, assim como o ‘seu’ Mário, também faz parte do conselho de anciãos do quilombo. Homem piedoso, de exímia espiritualidade, ama uma conversa e se orgulha de saber cada detalhe da história de Contagem, sua cidade natal. Ele reclama de algumas práticas que foram sendo deixadas devido à agitação do dia a dia e do ativismo exigido para o cuidado de um lar. “Hoje todos precisam trabalhar fora, vivem correndo, não nos pedem mais benção, apenas gritam da rua: benção tio Antônio”, diz. Ele se lembra do sofrimento de seu pai, e conta um episódio que marca fortemente a memória dos Arturos. “Quando meu avô morreu, meu pai foi proibido de sair da fazenda para sepultá-lo e apanhou por insistir. Então, ele reuniu a família aqui para não ficar longe de ninguém. A família é a base tudo”, afirma seu Antônio. Arthur deixou aos seus filhos a responsabilidade de manter a família unida e de ensinar aos seus jovens o respeito às tradições e aos mais velhos, e o ancião não mede esforços para que isso permaneça.

Cristiane Luz, 32 anos, faz parte do grupo Filhos Zambi, criado com intuito de contar a história do quilombo e dos negros. Interessada pela história da comunidade e pela divulgação da tradição, ela sente nos ombros a responsabilidade de manter essa memória viva. “O medo faz parte e é necessário, isso nos ajuda no esforço para manter nossas origens”, afirma. Ela também se apega à sua fé: “Por mais que alguém se afaste, Nossa Senhora busca, não tem como se esconder. Por mais que a pessoa não esteja no congado, por exemplo, bateu a caixa, algo mexe com você. Está no sangue!”, explica Cristiane. Ela fala da necessidade de escutar os anciãos: “sem eles não conhecemos nossa história”, e diz que fará o possível para que ela permaneça. Para o seu companheiro de grupo, Thiago dos Santos, 28 anos, a confiança dos anciãos neles é vista na emoção que os toma em cada apresentação. “Eles se emocionam em todas as apresentações, não só por lembrarem a história, mas por verem nosso esforço em manter as tradições”, afirma.

Por mais que hajam conflitos devido à diferença de idade, uma coisa é certa: eles amam seu povo, sua cultura e tradição. Carregam em si seus mortos como se estivessem vivos, porque neles encontram suas raízes e os princípios que norteiam suas vidas. Carregam seus mortos no último lugar em que podem viver, em suas memórias. E ali, permaneceram por muito tempo!

A voz que faz enxergar

O uso da tecnologia no processo educacional de deficientes visuais

Na década de 90, ouvia histórias sobre os esforços e a garra dos cegos da época que buscavam se formar em alguma faculdade. Naqueles dias, as fitas K7 eram o auge. Com a ajuda de amigos e parentes, os textos e conteúdos dados em sala eram gravados e, desta forma, eles podiam estudar. Hoje, com o apoio da tecnologia, essa realidade começa a se transformar, já que o deficiente visual pode contar com alguns programas que ajudam no processo educacional, como é o caso do software Dosvox.

Trata-se de um software livre com programa sintetizador de voz, criado e desenvolvido em 1993, pelo Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua criação inovou e favoreceu o acesso à informação para deficientes visuais. Ao ser iniciado, o programa faz a seguinte pergunta: “Dosvox, o que você deseja?” Pergunta interessante pra quem almeja tantas coisas.

Buscando entender melhor o processo de aprendizagem para o uso do Dosvox, visitei a Fundação Dorina Nowill para Cegos em São Paulo, que há 60 anos trabalha pela inclusão social de cegos. Um dos seus programas propõe o ensino das novas tecnologias, para que os usuários com deficiência visual resgatem sua autonomia e sejam protagonistas de suas histórias.

Na fundação, os softwares de voz e ampliadores de telas para computadores, celulares e tablets que, junto com os teclados de tipos ampliados e as linhas braile digitais, facilitam o processo educacional e inovam a didática de ensino, ficam disponíveis aos alunos cegos ou de baixa visão. Com educadores capacitados, eles aprendem a usar o Dosvox, além de outras ferramentas disponíveis para o dia a dia.

Elson Lopes (39) é cego e graduado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais. Perguntei a ele o que seria da vida sem uma voz que o guiasse, enfático, responde: “A voz é essencial pra quem não vê. Essa é nossa única opção. A vida? Não seria”. Elson entendeu que sua visão vinha através do som e o Dosvox trouxe isso. O programa fala e, pela palavra, a vida passa a ser. Ser o que afinal? O que eles quiserem. Pela voz eles enxergam e desbravam um mundo antes desconhecido.

Segundo a assessora de serviços de apoio à inclusão da Fundação Dorina Nowill para Cegos, Eliana Lima (52), a tecnologia é fundamental para a educação e, por meio dela, a distância que há entre o aprendizado da pessoa com deficiência visual e o aprendizado da pessoa com visão normal se estreitou. “O mundo da deficiência visual e o dos videntes ficaram mais próximos. A tecnologia otimizou os conteúdos passados em sala de aula, auxiliando tanto o aluno como o professor”, afirmou.

Quando a assistente social, cega e funcionária da Fundação Dorina Nowill, Regina Marques (60), estudava, sua mãe a ajudou nas gravações das fitas K7. Para ela, trabalhar e se especializar em sua área hoje é muito mais fácil. “A tecnologia deu um grande salto na acessibilidade dos cegos pra educação. Diminuiu as barreiras. Os leitores de telas, livros digitais e todos os programas que podemos utilizar facilitaram o processo educacional de um aluno cego”, disse a assistente.

Li uma frase de Dorina na fundação: “Vencer na vida é manter-se de pé quando tudo parece estar abalado. É lutar quando tudo parece adverso. É aceitar o irrecuperável. É buscar um caminho novo com energia, confiança e fé”. Quando sai de lá, fechei meus olhos e imaginei alguém dizendo essas palavras. Aprendi a enxergar.

A resistência de um povo para preservar sua história

O esforço das comunidades indígenas para manter seus costumes, tradição e memórias

Foi espantoso acompanhar os debates dos presidenciáveis durante o período eleitoral deste ano. As brigas eram intermináveis e as expectativas não eram supridas. Queria ouvir sobre o meio ambiente, sobre a demarcação das terras indígenas. Ansiava escutar alternativas que preservassem a cultura dos índios, um povo tão presente, mas tão esquecido. Desde a colonização, os indígenas foram submetidos às reservas por quem estava no poder. Pedaços de terras que não levavam, e ainda não levam em consideração a cultura e a tradição de um povo. São estigmatizados por nossa ganância e pelo preconceito que ainda sai dos “poros brasileiros”.

A história do Brasil segue manchada de sangue. Do sangue daqueles que estiveram aqui antes de todos e de sua geração, que ainda tenta permanecer. Segundo a jornalista Eliane Brum, “com a chegada dos colonos, os indígenas passaram a ter três destinos: ou as reservas ou trabalhar nas fazendas como mão de obra semiescrava ou se aprofundar na mata. Quem se rebelou foi massacrado”.

Em 2012, fui surpreendido com uma carta de suicídio coletivo dos Guaranis Kaiowás, do Mato Grosso do Sul, que viralizou nas redes sociais. Eles diziam:

– De fato, sabemos muito bem, que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários: os nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós. Ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados, aqui mesmo, onde estamos hoje. Por isso pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais.

Isso foi escrito por um grupo de 170 indígenas (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) que vivem à beira de um rio no município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul, cercados por pistoleiros. Declararam isso dia 8 de outubro 2012 ao conselho Aty Guasu (Assembleia dos Guaranis Kaiowás), diante da notícia de que a Justiça Federal os expulsaria de sua terra. Resolveram resistir, mesmo que, para isso, tivessem que morrer. Mas morreriam perto do rio, de seus antepassados e de sua história.

No dia 1° de novembro deste ano, o Comitê Mineiro de Apoio às Causas Indígenas publicou que a líder Guarani-Kaiowá Marinalva Manuel, 28 anos, foi assassinada com facadas no peito, barriga e pescoço. Marinalva foi encontrada nua com indícios de violência sexual. Até o momento ninguém foi preso.

Outra história que me chamou a atenção foi a dos Maxacalis. Conhecidos como nômades devido à constante peregrinação pelo Brasil, se esforçam para preservarem sua cultura e conservarem suas tradições. A tribo sofre com a falta de demarcação de terras, um sério problema vivenciado com os fazendeiros locais. Uma briga de décadas que limitou os índios a uma reserva, comprometendo a cultura e sobrevivência de todos. Hoje, cerca de 1.600 Maxakalis, divididos em duas aldeias, habitam a região do Vale do Mucuri em Minas Gerais.

Em um vídeo publicado pelo mesmo comitê, a Cacique da tribo, Maria Diva, diz: “Nós não temos nada. Não temos casa. Não temos pesca. Não temos madeira para fazer casas. Nós estamos aí, esperando aonde vamos chegar”. Cada vez mais confinados, a caça e a pesca, duas das principais características da tribo, deixaram de suprir as necessidades alimentares do povo. Além disso, a presença dos fazendeiros causa da divisão da tribo, atingindo diretamente os costumes dos indígenas. Para eles, a unificação da terra corresponde à garantia de sua subsistência alimentar básica e o resgate de sua terra tradicional.

A crença de que a água corrente auxilia o crescimento da criança e a mantêm sadia ainda é viva na tribo, mas somada à contaminação do córrego local, gerou um surto de diarreia. A desnutrição e a falta de projetos condizentes com a cultura Maxakali prejudica seu desenvolvimento sustentável, além de ameaçar gravemente sua própria existência, sobretudo das crianças.

A carta dos Guaranis Kaiowás e a declaração de Maria Diva denunciam um descaso de décadas às comunidades indígenas no Brasil. Mesmo reconhecidos na Constituição de 1988, de alguma maneira a sociedade atual insiste em deixá-los de fora, ignorando uma dívida histórica, cada vez mais cara.

Amigos, a esperança e um caminho a seguir

Sai de casa aos 18 anos pensando em salvar o mundo de suas mazelas. Carregando no meu baú de expectativas ideais que vislumbrava em homens e mulheres que marcaram a história por sua luta pelos direitos humanos. Dentre eles pode-se encontrar Martin Luther King, Madre Tereza de Calcutá, Anne Frank, William Booth e muitos outros. Hoje, aos 28 anos, acrescentei mais alguns ao baú. Pessoas que conheci no caminho que trilhava construindo minha história. Esses, chamo de amigos.

William Shakespeare dizia que “amigos são a família que nos permitiram escolher”, e eu escolhi a minha. Não que esta ocupe o lugar daqueles que cuidaram de mim, jamais ocuparão. Mas se agregaram a eles, e me ajudam a manter acesa a esperança que me fez por a bolsa nas costas e sair por aí.

Há momentos na vida que o coração se aflige e as expectativas parecem não nos mover mais como antes. Às vezes nem nos lembramos delas. O caminho se enche de pedras e tudo que acreditamos fica em xeque. Vivo momentos assim periodicamente e os amigos tem um papel essencial no trajeto de volta à esperança, aos sonhos e a utopia.

Conversando com uma amiga recentemente falava a respeito de coisas que fui abandonando com o tempo, de questionamentos, decepções e de marcas causadas por outros e por mim mesmo. Quando fui interrompido com a seguinte frase:

– Conheço muitos que vivem como zumbis. Mortos vivos. Abandonaram tudo por desacreditarem de algo em algum momento da vida. Espero nunca te ver assim. O que você acredita e sonha me traz esperança.

Eu havia fechado meu baú em algum momento. Estava morrendo e ela me fez enxergar. Lembramos de conversas passadas, contamos histórias, relembramos da vida, de um tempo bom que passou. Naquele dia aprendi a essência da esperança e quero carregar este aprendizado todos os dias.

Reabri o baú e todos ali me contaram suas histórias novamente. Peguei minha mochila e voltei a caminhar.

O medo de me tornar quem eu nunca quis ser

Não é de hoje que me questionam a respeito da minha escolha pelo Jornalismo. As perguntas são sempre embasadas nos princípios, na deturpação do caráter, na minha desistência no que acredito para me moldar segundo os conceitos da empresa x ou y, afinal de contas, como sempre dizem, são elas que pagam os salários.

Há alguns dias escrevi uma matéria, nela citei a fala de um dos personagens, como se deve ser, na íntegra. Também dei espaço para a organização se pronunciar, e fui justo com a fala deles também. Mas, certa manhã fui surpreendido com um e-mail da assessoria de imprensa do local, neste, me questionavam a respeito de uma palavra dita pelo personagem, insistindo que eu deveria mudar. Conversamos a respeito e, quando menos espero, a família do personagem me liga dizendo que estavam tendo problemas, pedindo pra que eu mudasse a fala. Fiz por eles, mas a indignação se instalou e ficou num lugar necessário dentro de mim, para que eu me lembre sempre onde estou pisando e com quem terei que lidar.

A linha tênue da ética e da ferocidade da matéria perfeita ou, da imagem do “bom moço” que na assessoria defende tudo com unhas e dentes, está presente diariamente na vida de um jornalista. É ela quem define se ele é bom ou mal, não como profissional, mas como humano. Em tempos de eleição, doenças, surtos, migração, entre outros, essa linha tem sido rompida e como consequência bizarrices fazem parte do cotidiano da mídia. E é como esses que rompem a linha que eu nunca quero ser.

Não quero ser parte dessa mídia que valoriza a informação acima do humano, expondo e instigando ódio, como fizeram com o africano suspeito de estar com Ebola, escancarando o racismo presente no dia a dia desse país. Não quero ser um profissional que se molde de acordo com o valor pago para ditar aquilo que querem que os outros acreditem. Não quero deixar de ser humano, uma qualidade que um dia nos gabamos de ter.

Espero viver com a liberdade de um jornalista. Espero ser um jornalista. Mas que acima de tudo, eu nunca deixe de ser humano.